Constituição de Cádis

Vamos explicar o que foi a Constituição de Cádis e como se originou. Além disso, quais são as suas características e o território que abarcou.

Constitución de Cadiz
A Constituição de Cádis consistia num preâmbulo e dez títulos com 384 artigos.

O que foi a Constituição de Cádis?

A Constituição de Cádis, também chamada Constituição Espanhola de 1812 ou Constituição Política da Monarquia Espanhola, e popularmente conhecida como “La Pepa”, foi uma carta magna do Reino de Espanha promulgada pelas Cortes Gerais reunidas em Cádis em 19 de março de 1812.

Tratou-se de um marco histórico por ser a primeira Constituição da história espanhola e uma das mais liberais da sua época.

A Constituição de Cádis consistia num preâmbulo e dez títulos com 384 artigos, e esteve em vigor durante dois anos antes do regresso de Fernando VII ao trono da Espanha que provocou a sua revogação em Valência em 1814.

Foi recuperada brevemente entre 1820 e 1823, durante o período conhecido como “o triênio liberal”, e novamente em 1836, durante um governo liberal progressista que depois a reformou e redigiu a Constituição Espanhola de 1837.

A história da Constituição de Cádis

Constitución de Cadiz - Napoleon Bonaparte
A Constituição de 1812 nasceu como resposta à invasão napoleônica da Espanha.

A Constituição de Cádis foi aprovada em 1812 pelos deputados das Cortes Gerais reunidas em Cádis como resposta à invasão da Espanha pelo exército de Napoleão Bonaparte, que impôs a seu irmão José no trono espanhol em 1808.

Com o rei Fernando VII deposto e feito prisioneiro, José Bonaparte proclamou em 1808 a Carta de Baiona, uma espécie de Constituição que estabelecia direitos e liberdades à imitação dos princípios liberais difundidos pela Revolução Francesa.

Simultaneamente se formaram em diversas cidades da Espanha umas juntas que assumiram o poder político e resistiram à dominação napoleônica forjando alianças com a Inglaterra. Estas juntas confluiram na Junta Suprema Central depois substituída pelo Conselho de Regência da Espanha e Índias que convocou as Cortes Gerais.

Enquanto ainda se travava a Guerra da Independência (1808-1814), os deputados das Cortes reunidas em Cádis promulgaram a carta magna que, influenciada pelo liberalismo democrático, estabelecia a separação de poderes e reconhecia que a soberania não residia no rei, mas na nação. Assim, o rei já não era mais monarca somente pela graça de Deus, mas também pela Constituição, em aberta oposição aos princípios do absolutismo do Antigo Regime.

A revogação

A Constituição de Cádis teve uma vigência breve, de apenas dois anos. A derrota napoleônica na Guerra de Independência permitiu o retorno ao trono espanhol de Fernando VII em 1814, que revogou a Constituição e dissolveu as Cortes junto com a detenção dos deputados liberais, com o objetivo de restabelecer o Absolutismo e inverter a importante quantidade de mudanças modernizadoras que a Constituição de Cádis tinha implementado.

Isto acarretou numerosas consequências, como a revolta das colônias americanas, que viram frustrada a sua possibilidade de gozar de uma certa autonomia e reconhecimento como províncias do Estado espanhol. A Constituição de Cádis serviu posteriormente como modelo para algumas constituições republicanas da América Hispânica, uma vez que as colônias se libertaram da Espanha.

A Constituição de Cádis voltou a entrar em vigor em 1820 quando Fernando VII foi obrigado a restabelecê-la após o pronunciamento de Riego que deu início ao triênio liberal (1820-1823). Depois da reação absolutista que voltou a revogar a Constituição em 1823, sobreveio um novo período liberal que a adotou em 1836 sob a regência de Maria Cristina de Bourbon e que desembocou na reforma que deu origem à Constituição de 1837.

As características da Constituição de Cádis

O território compreendido

Constitución de Cadiz
Abrangia a Espanha peninsular, as ilhas Canárias e Baleares, Ceuta, Melilha e os territórios de Ultramar.

A Constituição de Cádis declarava ter vigência para todos os territórios hispânicos do mundo, que em 1812 eram vastos e abarcavam a Espanha peninsular, junto com as ilhas Canárias e Baleares, Ceuta e Melilla, bem como os territórios no continente americano (em processo de luta independentista), as costas do tratado de El Pardo na África e as ilhas Filipinas, Carolinas e Marianas na Ásia.

De qualquer modo, a formação de juntas de governo na América levou geralmente à formação de governos próprios, inicialmente fiéis ao rei Fernando VII, que não se submeteram ao Conselho de Regência da Espanha e Índias e deixaram aberto o caminho para as guerras de independência americanas.

A soberania da nação

Um dos aspectos mais importantes da Constituição de Cádis foi sua declaração de que a soberania residia na nação e não no rei e que este era monarca pela graça de Deus mas também pela Constituição.

Assim, passou-se de uma monarquia absoluta para uma monarquia constitucional com separação de poderes, limitação das atribuições do rei, que ainda era o titular do poder executivo mas suas decisões deviam ser aprovadas por secretários, e a implementação do voto universal masculino indireto para a eleição de deputados das Cortes (embora as pessoas que podiam ser eleitas deviam ter uma determinada renda).

As Cortes consistiam de uma câmara única para evitar a divisão estamental que de outro modo podia dar prioridade à nobreza e ao clero. Esta nova ordem constitucional outorgava a cidadania espanhola e a igualdade de direitos jurídicos aos cidadãos tanto peninsulares como ultramarinos que passavam a fazer parte legalmente de uma só nação com presença nos dois hemisférios.

As liberdades e os direitos

Constitución de Cadiz
Reconhecia-se o rei “pela graça de Deus e a Constituição”.

A Constituição de 1812 garantia a liberdade de imprensa e de indústria, o direito de propriedade e a abolição dos senhorios, o que representava um forte impulso liberal numa nação que até então se caracterizava por ser extremamente conservadora.

Em matéria religiosa, a Constituição identificava a Espanha como um Estado confessional católico (pelo que não admitia a liberdade de culto), mas os deputados de Cádis aboliram a Inquisição, restaurada depois por Fernando VII ao voltar ao trono.

Embora não conferisse direitos às mulheres, a Constituição de Cádis foi um importante gesto de democratização e reconhecimento de direitos individuais que procurava deixar para trás as instituições do Antigo Regime.

A questão americana

O assunto das colônias era considerado pela Constituição de Cádis já em seu primeiro artigo: declarava que a nação espanhola era “a reunião de todos os espanhóis de ambos os hemisférios”.

As colônias passavam a ser províncias do Estado espanhol, decisão em que influenciaram alguns deputados americanos como o mexicano Miguel Ramos Arizpe, o chileno Joaquín Fernández de Leiva, o peruano Vicente Morales Duárez ou o equatoriano José Mejía Lequerica. De qualquer modo, devido aos conflitos que tiveram lugar na América naqueles anos, o artigo 11º estabelecia que os territórios espanhóis se organizariam segundo uma divisão mais conveniente, que ficaria a cargo de uma futura lei constitucional.

Nas províncias da península e do ultramar era favorecida a criação de municípios conformados por sufrágio indireto masculino que em território americano outorgou poder político a algumas elites crioulas, o qual atentava contra o domínio da aristocracia colonial. O retorno do Absolutismo tentou voltar atrás com essas inovações, mas só avivou mais ainda os impulsos independentistas que vinham se desdobrando na América.

A garantia da continuidade

Fernando VII - Constitución de Cadiz
Fernando VII ordenou a revogação da Constituição em 1814.

A Constituição estabelecia sua própria inviolabilidade frente aos poderes do rei, assim como uma disposição pela qual não podiam se realizar mudanças em seu conteúdo pelo prazo de oito anos. Além disso, previa-se que, após este período de tempo, as alterações só poderiam ser introduzidas através de mecanismos complexos que deveriam ser rigorosamente observados.

Esta disposição tinha por missão garantir a duração da nova ordem constitucional do Estado espanhol, apesar de a sua revogação em 1814 por Fernando VII ter sido relativamente simples devido ao fato de a ter declarado nula e sem efeito.

A importância histórica da Constituição de Cádis

A Constituição de Cádis representou um marco histórico na modernização da Espanha, por se tratar da primeira constituição espanhola e por se tornar uma referência importante dos processos independentistas hispanos americanos. Não só foi restabelecida durante o triênio liberal (1820-1823) e como antecedente da Constituição de 1837, mas também influenciou o pensamento liberal e outras experiências constitucionais espanholas ao longo do século XIX.

Além disso, foi recordada com orgulho pelas populações de Cádis, já que foi promulgada no contexto da resistência contra o exército francês. Um monumento foi construído na cidade em 1912 para comemorar o primeiro centenário da Constituição.

Na América também se construíram praças e monumentos em homenagem à Constituição e esta carta magna foi influente nas repúblicas americanas que se foram constituindo ao longo do século XIX, bem como no Reino das Duas Sicílias que a tomou como própria depois de fazer algumas mudanças e traduzi-la para o italiano.

Viva la Pepa!”

O apelido “Pepa” dado à Constituição de Cádis deve-se a que foi promulgada em 19 de março, dia da festividade de São José, (Pepa é o feminino de Pepe em espanhol, que é o apelido de José). O grito “Viva a la Pepa!” tornou-se uma proclamação de adesão à Constituição liberal e foi relacionado pelos setores absolutistas com o descontrole e o ataque aos valores conservadores, razão pela qual transcendeu aos nossos dias com o sentido de desordem ou irresponsabilidade.

Referências

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Como citar?

As citações ou referências aos nossos artigos podem ser usadas de forma livre para pesquisas. Para citarnos, sugerimos utilizar as normas da ABNT NBR 14724:

GAYUBAS, Augusto. Constituição de Cádis. Enciclopedia Humanidades, 2024. Disponível em: https://humanidades.com/br/constituicao-de-cadis/. Acesso em: 6 maio, 2024.

Sobre o autor

Autor: Augusto Gayubas

Doutor em História (Universidad de Buenos Aires)

Traduzido por: Cristina Zambra

Licenciada em Letras: Português e Literaturas da Língua Portuguesa (UNIJUÍ)

Data da última edição: 26 fevereiro, 2024
Data de publicação: 25 janeiro, 2024

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