Islamismo

Vamos explicar o que é o islamismo e os fundamentos nos quais essa ideologia política se baseia. Além disso, suas características e como se diferencia da religião do Islã.

Islamismo
O islamismo é um movimento heterogêneo que abrange diferentes posições políticas.

O que é o islamismo?

O islamismo é uma ideologia que defende que a ação política da sociedade deve ser sustentada pela doutrina do Islã. Seu principal objetivo é a criação de um estado islâmico baseado na Sharia (lei muçulmana) para transformar todos os aspectos da sociedade (como a economia, a lei, a justiça social e a política externa).

O islamismo é um movimento muito heterogêneo e há dezenas de grupos políticos islâmicos que diferem em seus programas, valores e filiação a diferentes ramos do Islã. Vão desde grupos democráticos, conservadores, fundamentalistas e moderados até associações radicalizadas e grupos terroristas.

Apesar de suas diferenças, todos os movimentos islâmicos buscam transformar a sociedade por meio da educação islâmica dos indivíduos e da ação política e social. A maioria deles argumenta que o poder deve ser tomado democraticamente. Defendem o retorno a um “Islã autêntico”, contra a ocidentalização da sociedade que está em andamento como resultado da globalização.

Entre os grupos islâmicos mais importantes estão a Irmandade Muçulmana no Egito, Síria, Jordânia, Líbia e Iêmen, entre outros; o Partido da Justiça e Desenvolvimento na Turquia (AKD) e o Partido da Justiça e Desenvolvimento no Marrocos (PJD).

Devido aos ataques terroristas realizados na década de 2000 por grupos como a Al-Qaeda (liderada por Osama bin Laden), o islamismo se tornou um movimento altamente controverso e, muitas vezes, mal compreendido. É comum que os meios de comunicação ocidentais unifiquem os movimentos terroristas sob o conceito de “islamismo”.

Entretanto, esses e outros grupos terroristas devem ser entendidos como um fenômeno específico que não representa o movimento islâmico como um todo. Atualmente, a maioria dos grupos políticos que compõem o islamismo atua dentro do sistema político legal de seus países e não usa a violência para atingir seus objetivos.

Islã e islamismo. O Islã é a religião monoteísta praticada pelos muçulmanos. O principal profeta islâmico é Maomé, seu deus é Alá e o livro sagrado é o Alcorão.
O islamismo é uma ideologia que defende que a organização política e social deve ser baseada na Sharia, que é a lei religiosa. Como movimento político, é bastante heterogêneo, variando de associações moderadas a grupos terroristas radicais.

As origens do islamismo

O primeiro precursor do islamismo é o movimento reformista muçulmano que surgiu no final do século XIX no Irã. Diante do declínio do Império Otomano e da ameaça da colonização europeia, um grupo de pensadores propôs a necessidade de modernizar a ordem política existente.

Seus principais expoentes foram Jamal-al-Din al-Afghani, Muhammad Abduh e Rashid Rida. Pregavam a unidade nacional e a luta contra os governos despóticos que faziam acordos com o Ocidente para se manter no poder.

Os pensadores do “Despertar Islâmico”

A partir da década de 1930, vários pensadores deram impulso ao que veio a ser conhecido como o “Despertar Islâmico”. Dentro do Islã sunita, Abul A'la Mawdudi (1903–1979), Hasan al-Banna (1906–1949) e Sayyid Qutb (1906–1966) foram proeminentes; o maior expoente do Islã xiita foi Ruhollah Khomeini (1902–1989).

Esses pensadores desenvolveram teorias políticas que vinculavam a organização política terrena às crenças religiosas sobre a natureza divina e humana. Viam os aspectos negativos de sua sociedade e acreditavam que ela estava em declínio porque havia se afastado do plano estabelecido por Deus.

Culpavam as potências ocidentais e as correntes modernizadoras pelo mal-estar de suas sociedades. Portanto, consideravam essencial que os Estados se organizassem de acordo com os preceitos da moralidade muçulmana e do modo de vida muçulmano a fim de restaurar o bem-estar social e a prosperidade.

Abul A’la Maududi (1903–1979)

Mawdudi sustentava que a soberania residia em Alá e que ninguém poderia reivindicar para si a representação de Deus na Terra, mas que a autoridade divina cabia à comunidade como um todo. Por isso, postulava o que foi conhecido como teodemocracia: cada indivíduo da comunidade muçulmana desfruta dos direitos e poderes do califado (governo) de Deus.

Entretanto, trata-se de uma visão que promove um Estado ideológico e autoritário, baseado no dever estabelecido por Deus de exercer controle moral e religioso sobre tudo o que é criado.

Hasan al-Banna (1906–1949)

Hasan al-Banna desenvolveu seu pensamento em torno da decadência, corrupção e humilhação que viu nas sociedades muçulmanas.

Defendia que era transcendental a criação de um Estado islâmico que se preocupasse em reformar todos os aspectos da vida, que se apresentasse como uma resistência aos ideólogos ocidentais e que fosse capaz de gerar uma nova ordem islâmica. Hasan al-Banna foi um dos fundadores da organização islâmica conhecida como “Irmandade Muçulmana”.

Sayyid Qutb (1906–1966)

Sayyid Qutb foi um dos ideólogos mais influentes do islamismo radical e dos movimentos islâmicos extremistas. Assim como os outros pensadores, ele considerava que a sociedade muçulmana se encontrava em um estado lamentável e muito distante do plano de Deus.

Contudo, Qutb incentivava a ruptura total com a ordem estabelecida e acreditava que o Islã, como a última orientação divina revelada, tinha o direito de impor seu sistema ao mundo para beneficiar toda a humanidade.

Considerava todos os sistemas não islâmicos como opressores, pois afastavam os homens do caminho de Deus. Por isso, acreditava que era necessário promover a guerra contra os governos locais. Nesse sentido, reformulou o conceito islâmico de jihad (guerra santa).

Ruhollah Khomeini (1902–1989)

Ruhollah Khomeini rompeu com a tradição politicamente quietista dos círculos xiitas, liderou a derrubada do Xá Mohammad Reza Pahlevi e foi determinante para o estabelecimento da República Islâmica no Irã.

Defendia que era necessário subordinar o poder político aos objetivos e preceitos islâmicos. Também acreditava que o sistema de governo deveria ser projetado pelos mestres religiosos e que eles mesmos deveriam assumir as principais tarefas legislativas e administrativas, visando alcançar um plano de ação de profunda reforma e colocar a sociedade em conformidade com o plano divino.

Por outro lado, condenou qualquer sistema ou ideia que não viesse dos preceitos islâmicos.

A Irmandade Muçulmana

A Irmandade Muçulmana é uma organização islâmica que tem forte apoio em diversos países.

A Irmandade Muçulmana é uma das mais importantes organizações islâmicas. Ao longo de sua história, dependendo do contexto político e social, passou por diferentes períodos de radicalização e moderação de suas ações.

De uma organização que concentrava suas atividades no serviço social e na militância anticolonialista, passou à ação paramilitar de luta armada contra o governo e voltou a ser uma instituição legítima engajada no trabalho político dentro dos canais democráticos.

As origens da Irmandade Muçulmana

No final da Primeira Guerra Mundial (1914–1918), a desintegração do Império Otomano permitiu que o colonialismo europeu penetrasse nos territórios da Ásia Ocidental e do norte da África. O principal regime governamental da cultura islâmica era o califado (o regime governamental do Império Otomano), que foi abolido em 1924 e substituído por um regime republicano de estilo ocidental.

Uma das principais organizações nascidas nesse contexto foi a Irmandade Muçulmana, criada por Hasan al-Banna no Egito em 1928. Originalmente, seu objetivo era se opor ao colonialismo britânico e à secularização da sociedade.

Durante a década de 1930, a Irmandade Muçulmana criou uma rede de serviços sociais composta por associações, escolas, hospitais e grêmios, e ao mesmo tempo desenvolveram um braço de ação de organizações paramilitares e semissecretas.

Na década de 1940, as tensões e a oposição ao governo aumentaram e, em 1949, realizaram seu primeiro atentado: o assassinato do primeiro-ministro egípcio, Mahmoud an-Nukrashi Pasha. Em resposta, o governo deu início a uma onda de repressão que incluiu a morte do líder da Irmandade, Hasan al-Banna.

Na década seguinte, a Irmandade Muçulmana continuou a operar clandestinamente, tornando-se um movimento de massa e a principal oposição ao governo fora do parlamento. Fundou-se ramificações da Irmandade em diferentes países da região, incluindo Líbano, Síria, Jordânia, Palestina e Sudão.

A radicalização da organização

No Egito, a Irmandade Muçulmana continuou sendo reprimida e radicalizou suas posições ao se alinhar com as ideias de Sayyid Qutb. Em 1954, houve um atentado contra o presidente Nasser e o governo culpou os Irmãos (membros da Irmandade Muçulmana) e intensificou sua política de repressão.

Em 1966, Sayyid Qutb foi acusado de envolvimento em outro atentado contra o presidente e foi condenado à morte por conspirar contra seu governo.

Clandestinidade e crescimento

Durante as décadas de 1970 e 1980, a Irmandade continuou sua atividade organizacional na clandestinidade. Quando o governo egípcio impôs uma política estatal neoliberal como consequência de suas negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Irmandade Muçulmana multiplicou sua rede de serviços sociais para lidar com o aumento do desemprego e da pobreza.

Ao mesmo tempo, suas fileiras foram renovadas pelo movimento estudantil universitário, e sua abordagem revolucionária se afastou da ação violenta. Com o tempo, tornou-se uma organização de base mais heterogênea, com o apoio de setores cada vez mais amplos da população.

A Revolução Egípcia

Em 2011, eclodiu uma série de protestos espontâneos em várias partes do Egito contra o governo de Hosni Mubarak (que estava no poder há trinta anos, desde 1981). As manifestações se expandiram e deram origem à Revolução Egípcia, que acabou derrubando o presidente e convocando novas eleições.

A Irmandade Muçulmana disputou as eleições com a criação do Partido Liberdade e Justiça, tendo Mohammed Morsi como seu principal candidato, e venceu com 70% dos votos.

No entanto, o governo de Morsi teve vida curta. Ao assumir o cargo, adotou uma série de medidas antidemocráticas e de centralização do poder nas mãos da presidência. Seu objetivo era instalar um governo baseado nos princípios da lei muçulmana. Ele dissolveu o parlamento e o substituiu por uma assembleia legislativa com uma representação majoritária simpatizante de seu governo e colocou o judiciário sob sua autoridade. Em 2012, assinou um decreto concedendo a si mesmo autoimunidade.

Essas ações geraram ampla rejeição popular e oposição de vários setores da população. No ano seguinte, um golpe militar liderado por al-Fattah al-Sisi derrubou o governo da Irmandade Muçulmana. As novas autoridades reprimiram a Irmandade, decretaram sua dissolução e a de suas organizações satélites e confiscaram todos os seus bens.

O islamismo jihadista

Bin Laden foi o líder jihadista responsável pelos atentados às Torres Gêmeas (2001).

Islamismo jihadista é o nome dado aos movimentos islâmicos radicais que usam a violência como meio de atingir seus objetivos políticos. O termo jihad é um conceito da religião islâmica que legitima a guerra para defender a comunidade islâmica. Entretanto, isso é interpretado de maneiras diferentes entre os diversos grupos islâmicos.

Dentro da lógica dos movimentos que usam a violência, defende-se que o Ocidente (seus regimes políticos, ideias e modos de vida) é uma ameaça à sociedade muçulmana e a jihad é justificada como uma guerra de autodefesa e uma obrigação de todo muçulmano.

Os jihadistas acreditam que, para conseguir a implementação universal da lei islâmica, é necessário derrotar os inimigos ocidentais, e isso só pode ser feito por meio da violência armada.

A maioria das organizações jihadistas é considerada terrorista pelas potências do Ocidente. Entre elas estão:

  • Al-Qaeda. É uma organização jihadista que reuniu diferentes movimentos radicais. Sob a liderança de Osama Bin Laden, durante a década de 1990, estabeleceu-se como uma das organizações terroristas mais importantes do mundo. Seus membros são responsáveis pelos ataques de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas e ao Pentágono, e pelos atentados às embaixadas dos Estados Unidosno Quênia, na Tanzânia e em outros países.
  • Talibã. O Talibã é um movimento islâmico político, religioso e militar do Afeganistão. Em 1994, lançaram uma revolta militar e uma guerra civil contra o governo afegão até conseguirem assumir o controle em 1996. Com uma interpretação ortodoxa e fundamentalista da lei islâmica, impuseram um governo autoritário que limitou severamente as liberdades civis. Em 2001, os Estados Unidos invadiram o país e derrotaram o Talibã. Seus líderes se refugiaram no Paquistão, estreitaram seus laços com a Al-Qaeda e mantiveram sua luta armada em diferentes regiões do país.
  • Estado Islâmico. Também conhecido como “Daesh”, é um grupo islâmico radical liderado por Abu Bakr al-Baghdadi, que se desvinculou da Al-Qaeda. Sua aspiração é conquistar ou controlar politicamente países habitados por uma população majoritariamente muçulmana. Em 2014, conseguiu tomar vários territórios na Síria e no Iraque e proclamou a criação de um novo califado. O governo sírio e as forças militares ocidentais (dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e de outras potências europeias) entraram em guerra para impedir seu avanço. Desde então, o Daesh tem divulgado vídeos de assassinato de jornalistas americanos e britânicos e de outros prisioneiros políticos. Sob seu governo, foi instituída a lei fundamentalista muçulmana.

Islamismo moderado do século XXI

Islamismo
Atualmente, muitos movimentos islâmicos participam de sistemas democráticos nacionais.

Em paralelo aos movimentos islâmicos radicais, outros ramos do islamismo desenvolveram discursos mais moderados e coexistência com ideias democratizantes e sistemas republicanos. Durante os anos 2000, vários grupos islâmicos substituíram gradualmente seu discurso revolucionário de resistência a regimes não islâmicos por um discurso de pragmatismo e reforma.

A maioria deles direcionou sua ação política em atividade partidária, participando de competições em eleições democráticas e no sistema parlamentar.

Por outro lado, os militantes islâmicos perceberam a dificuldade de impor regimes fundamentalistas de governo baseados exclusivamente na lei muçulmana. Em vez disso, muitos promovem uma estratégia de “islamização” das leis existentes e da sociedade por meio da atividade parlamentar e de organizações comunitárias de serviços sociais.

Entre os grupos islâmicos moderados mais proeminentes se encontram o Partido da Justiça e Desenvolvimento (conhecido como AKP) na Turquia, a Irmandade Muçulmana no Egito, o Partido da Justiça e Desenvolvimento (conhecido como PJD) no Marrocos e o partido Ennahda na Tunísia.

Osama bin Laden (1957–2011)

Osama bin Laden foi um político nascido na Arábia Saudita, militante terrorista islâmico radical e fundador da organização terrorista paramilitar conhecida como Al-Qaeda. Acredita-se que seja responsável por vários atentados terroristas contra interesses americanos e ocidentais, principalmente os ataques às Torres Gêmeas em Nova York e ao Pentágono em Washington em 2001.

Bin Laden foi criado em Medina e Hejaz como filho de uma das famílias mais ricas da Arábia Saudita. Começou sua carreira militar em 1979, quando se juntou aos guerrilheiros islâmicos afegãos para lutar contra a ocupação soviética do Afeganistão. Lá, ele criou a organização fundamentalista radical e anticomunista Al-Qaeda. Os guerrilheiros afegãos receberam apoio militar e econômico dos Estados Unidos, da Arábia Saudita e do Paquistão.

Após a retirada das tropas soviéticas do Afeganistão em 1989, Bin Laden retornou à Arábia Saudita como um herói de guerra. Ele não desmobilizou a Al-Qaeda, mas a usou como base para promover o pan-islamismo radical. Defendia que era necessário unificar as nações islâmicas sob uma política islâmica e combater o inimigo estrangeiro. Nesse contexto, começou a agir contra a monarquia saudita por causa da presença das tropas dos Estados Unidos. O governo saudita retirou sua cidadania e o expulsou do país.

Desde então, se voltou para atividades terroristas clandestinas. Concentrou seu discurso na promoção da jihad contra os Estados Unidos, que ele condenava como o principal símbolo dos valores judaico-cristãos. Acredita-se que ele tenha arrecadado centenas de milhões de dólares para essa causa. Seu fundamentalismo violento atraiu os setores mais radicalizados do islamismo.

Desde a década de 1990, os Estados Unidos o identificaram como um inimigo em potencial da civilização ocidental. Ele se tornou o principal suspeito dos ataques de 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas, em Nova York, e do Pentágono, em Washington. Os Estados Unidos declararam “guerra contra o terrorismo” e invadiram o Afeganistão (onde supostamente o terrorista estava escondido).

Durante a década seguinte, Bin Laden foi caçado até ser encontrado e morto por uma operação militar dos Estados Unidos em maio de 2011.

Referências

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Kiss, Teresa. Islamismo. Enciclopédia Humanidades, 2023. Disponível em: https://humanidades.com/br/islamismo/. Acesso em: 5 de novembro de 2024.

Sobre o autor

Autor: Teresa Kiss

Professora de História do ensino médio e superior.

Traduzido por: Márcia Killmann

Licenciatura em letras (UNISINOS), Doutorado em Letras (Universidad Nacional del Sur)

Data da última edição: 24 de fevereiro de 2024
Data de publicação: 28 de dezembro de 2023

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